O impacto do estado emocional e psicológico da mãe na amamentação
Quando falamos de amamentação (e também de desmame) sob a perspectiva da Psicologia entramos numa área muito delicada para muitas mulheres.
Atualmente há muito preparo em torno da amamentação. A amamentação pode ser considerada um fenômeno natural e instintivo na mulher que acabou de parir seu bebê, mas a vida moderna, acelerada, cheia de afazeres, vem tirando cada vez mais a mulher desse lugar de conexão com seus instintos.
A maioria das mulheres, ao chegar nesse momento pós parto com seu bebê no colo, já leu livros, falou com médicos, fez consultoria de amamentação, ouviu experiências de outras mulheres, acompanhou relatos nas redes sociais, já criou diversos cenários possíveis em sua mente do que pode dar certo ou errado na amamentação e, assim, ela se sente preparada. Ela cuidou de tudo em relação à chegada desse novo bebê, no entanto ela não se preparou emocionalmente tanto para a amamentação quanto para o puerpério psicológico, que é o período que pode durar até dois anos após o nascimento do bebê e que representa a fase de maior fragilidade emocional da mãe. Esse preparo é o que propicia atingir camadas mais profundas da mulher, como fortalecer o seu protagonismo na sua maternidade, possibilitá-la desenvolver clareza dos seus desejos pessoais de querer ou não amamentar, colocá-la em contato com sua própria história de amamentação e desmame com sua mãe quando ela era um bebe porque tudo isso conta, e conta muito, para a fluidez da amamentação.
Amamentar é o primeiro grande desafio da maternidade com o qual a mãe se depara e envolve um estado psíquico e emocional de entrega. Entrega essa que pode ser difícil a depender de razões conscientes ou inconscientes. É após o nascimento, através do contato pele a pele com a mãe, e posteriormente através da amamentação, que a conexão mãe-bebê começa a acontecer. É nessa fase que a ligação mãe-bebê precisa se consolidar, já que o bebê depende disso também para sobreviver.
Quando se alimenta da mãe, o bebê está se nutrindo não só fisicamente, mas principalmente, emocionalmente. O colo da mãe, o cheiro, os batimentos cardíacos, tudo isso traz para o bebê a segurança que ele precisa para lidar com a nova vida aqui fora após o trauma do nascimento (sim, todo nascimento é um trauma para o bebê).
Para que essa entrega aconteça, primeiramente , a mulher precisa estar confortável com isso, o que significa estar disponível física e emocionalmente para esse momento, desligando-se de todas as outras demandas externas e decisões que tem que ser tomadas.
A maternidade chega para a mulher moderna em meio a um dia-a-dia agitado com agenda lotada, em meio a uma trajetória de carreira em ascensão ou em meio ao medo de perder o emprego, em meio a um contexto de filhos mais velhos que também demandam atenção, dentre tantos outros possíveis contextos, o que tira o foco e a presença da mulher com esse novo bebê e pode vir a dificultar o estabelecimento da amamentação e toda a vivência do puerpério emocional. O primeiro grande conflito da maternidade muitas vezes surge nesse momento: como dar conta?
A maternidade traz consigo uma pausa na vida de antes e a necessidade de entrega, o que é muito desafiador para a grande maioria das mulheres já que há uma dificuldade em se ver e vivenciar esse lugar mais calmo, sem tantas tarefas a serem cumpridas por ela. E nesse contexto a amamentação pode ser muito mais desafiadora, assim como todo o puerpério, porque esse lugar calmo, que ela nunca ocupou, traz inquietude e, muitas vezes, um estado ansioso ou o sentimento de solidão.
É necessário compreender que o ato de amamentar vai muito além do físico, ou seja, vai além de oferecer o seio e esperar que o bebê se movimente em resposta ao reflexo de sucção.
Se a mulher está biologicamente, naturalmente, pronta para amamentar e se, está tudo bem com o bebê (pega correta, freio lingual, etc) e ainda assim o processo está difícil, então é bem provável que hajam significados emocionais individuais a serem observados, compreendidos e cuidados. Calma, confiança e entrega favorecem um bom aleitamento, já o medo, depressão, ansiedade tendem a trazer dificuldades e demandar "sacrifícios".
Por outro lado há diversos casos em que não há um motivo aparente que esteja atrapalhando a descida do leite, a pega, ou a entrega da mãe. É aí então que a Psicologia do Puerpério atua, ajudando a mãe a compreender o seu momento pela perspectiva emocional. Além de razões inconscientes, há também razões bem visíveis no dia a dia como um parceiro que está com dificuldades em ver a sua mulher como mãe, ou que constantemente critica a maternidade de sua parceira.
A amamentação é um recurso potente até para casos de depressão pós parto, mas não quando esse momento gera mais tensão, ansiedade, tristeza e sobrecarga emocional para a mãe além da dor física que muitas sentem ao amamentar.
É importante salientar que, mesmo essa mãe tenha tido uma primeira história de amamentação bem sucedida, pode vir a ter histórias e desafios diferentes com os filhos posteriores.
Portanto, para que a amamentação flua, devem ser considerados não somente os aspectos físicos da mãe e do bebê, a historia de gestação e parto que vivenciaram juntos, bem como o entorno da mulher (ambiente e rede de apoio), e principalmente a disponibilidade interna e emocional da mãe e os aspectos conscientes e inconscientes para amamentar ou não, principalmente quando temos casos de muita dor na amamentação, mastites, fissuras.
Juntamos a isso a particularidade de cada mãe, compreendendo o nível se segurança, autocobrança, rigidez e perfeccionismo diante da maternidade.
Lembre-se, você está aprendendo a ser mãe, a ler o bebê. Tenha calma e paciência consigo mesma.
Ainda que a amamentação não flua para vocês conforme você desejava, ainda assim há a construção do amor e do vínculo através de outros momentos. Não se cobre tanto e busque apoio profissional sempre !
Katherine Sorroche, Psicóloga da Mulher-Mãe
Especialista em Puerpério, Saúde Mental da Mulher, Parentalidade e Primeira Infância.